Antes mesmo Pandemia da Covid-19 empresas utilizavam formas alternativas para organizar o trabalho à distância. Entretanto, a realização de atividades fora da sede das companhias se tornou quase uma rotina ante os efeitos negativos do coronavírus, especialmente pelas limitações e medidas sanitárias impostas, impactando diretamente nas relações de trabalho.
Existem sistemas e figuras diferentes para esse trabalho realizado fora das dependências das empresas, que possuem normas e consequências distintas que não podem ser confundidos, dentre elas: home office, teletrabalho ou anywhere office, todos esses considerados trabalhos à distância:
- TELETRABALHO: atividade realizada principalmente fora das dependências da empresa, com aplicação das regras da Consolidação das Leis do Trabalho.
- HOME OFFICE: trabalho realizado não preponderantemente fora da empresa, sem regulamentação específica, não amparado pelas regras da CLT que regulam o teletrabalho.
- ANYWHERE OFFICE: trabalho igualmente remoto, cujo serviço à distância pode ser prestado de qualquer lugar, que não possui regulação específica na legislação brasileira.
Importante anotar que o teletrabalho está definido no artigo 75-B, da Consolidação das Leis do Trabalho, e assim é definido como “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.”
Particularmente para o teletrabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho: (i) permite a alteração do regime presencial e remoto (por mútuo acordo entre as partes, ou por determinação do empregador com antecedência mínimo de 15 dias, em ambos deve haver aditivo contratual); (ii) obriga a previsão em contrato sobre a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura à prestação do trabalho remoto, bem como do reembolso de despesas arcadas pelo empregado; (iii) obriga o empregador instruir seus empregados (expressa e ostensivamente), quanto às precauções visando a prevenção de doenças e acidentes de trabalho; (iv) obriga o empregado assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.
No trabalho à distância (home office, teletrabalho ou anywhere office) especial atenção deve ser dirigida à situação particular da jornada de trabalho e respectivos controles (se existentes), aos investimentos ou gastos necessários à execução das atividades, bem ainda ao dever empresarial de manter ambiente de trabalho seguro e saudável ao empregado.
Esses são pontos sensíveis que demandam maior avaliação jurídica da situação, sobretudo para impedir a formação de passivo trabalhista para a companhia, decorrente do desconhecimento ou descumprimento das regras próprias, que redundam em denúncias, fiscalizações e autuações das Autoridade competentes, e ainda reclamatórias trabalhistas discutindo direitos sonegados.
Reafirme-se que, não havendo previsão legal específica para home office, devem ser aplicadas as regras ordinárias da Legislação trabalhista, devendo, por isso, ser observadas as disposições específicas quanto à duração do trabalho, salário, direitos e benefícios próprios, Segurança e Medicina do Trabalho etc.
Dito de outra forma, para a organização e implementação do home office as regras comuns do Direito do Trabalho devem ser observadas. Significa principalmente dizer que não apenas os direitos (bônus), mas as obrigações (ônus) inerentes ao contrato de trabalho devem ser estritamente observadas, mesmo se realizado o trabalho à distância.
Além da execução das tarefas em si, por meio de remessa ou aproveitamento de dados ou ações concretas geradas pelo empregado, conversíveis em elementos de produção de interesse patronal, o empregado deve respeitar as ordens e determinações lícitas da companhia.
Diante da ausência de Lei específica, e também por se tratar de situação nova, seria importantíssimo que os respectivos contratos de trabalho envolvendo home office sejam devidamente formalizados por escrito, e contenham a especificação da forma de funcionamento da rotina, medidas de controle das atividades e do tempo à disposição ao empregador, regras de segurança e medicina do trabalho, inclusive para que o empregado atenda às ordens do empregador mesmo à distância, especialmente aquelas normas contidas em regimentos internos, manuais de conduta, códigos de ética, política de privacidade e segurança das informações, dentre outras existentes. Deve haver ainda a presença de cláusulas versando sobre os investimentos e custeio da estrutura necessária para essa prestação de serviços à distância, e sua respectiva manutenção.
Simples home office traz à toma não apenas a problemática da responsabilidade empresarial quanto ao fornecimento e manutenção dos equipamentos e condições de acesso à internet (e outros instrumentos de trabalho), mas também quanto ao mobiliário adequado para as tarefas, cumprimento das regras de iluminação, ergonomia, saúde e segurança (cf. artigo 157, da CLT, e Norma Regulamentadora n. 17, do antigo Ministério do Trabalho e Emprego).
Igualmente complexa a situação prática quanto à privacidade das informações empresariais e de proteção de dados pessoais que a empresa disponibiliza ou transfere para as atividades à distância, sobretudo diante dos direitos e regras especificas da Lei de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Deve ainda haver cautela e atenção para a concessão de benefícios adicionais destinados às implementação ou realização do home office (como por exemplo: energia, espaço físico, mobiliário, internet etc), sobretudo se a companhia praticou alguma redução ou supressão de vantagens e direitos anteriormente concedidos para o trabalho na sede da empresa (transporte, vestuário, alimentação etc).
Apesar de existirem decisões na Justiça do Trabalho que abonam a compensação de vantagens ou benefícios acima referidos, ainda haveria risco de formação de passivo sua diminuição e/ou supressão, que, preferencialmente, podem ser objeto de negociação e resolução por meio de acordo ou convenção coletivas.
A assinatura de contrato escrito, elaborado a partir da particularidade de cada situação empresarial, garantirá a existência de regras bem definidas, impedindo não apenas futuras discussões indevidas acerca dos pontos da própria contratação, mas ainda solucionam questões outras que podem ser objeto de exame judicial em situações de conflito.
Apesar da segurança jurídica advinda da organização de home office bem delineada e pautada na conformidade legal, a efetiva realização desse plano deve ser constantemente fiscalizada, sob pena da realidade e cotidiano ser completamente diferente do programa, ou até mesmo contrária.
Isso é bastante frequente, pois a falta de fiscalização não permite a correção de eventuais desvios ao plano definido para a realização do home office, deixando absolutamente livres os colaboradores para adotarem procedimentos e regras paralelas, segundo sua própria conveniência e interesse.
Sugerimos fortemente que as atividades remotas de home office sejam precedidas de planejamento, organizadas por contrato escrito e devidamente fiscalizadas, observando todas as obrigações impostas pela Legislação aplicável aos contratos de trabalho, a fim de evitar ou mitigar autuações fiscais e passivos trabalhistas.
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